E o que não era ela – queimou. E só quem era ela – é só o que restou
Ela desperta de um sonho,
Se revira afundando na cama macia,
Com vontade contida de rasgar as cobertas
porque começam a esquentar demais... porque tudo é bom demais...
porque ela sente que algo a silenciou,
algo não quer que ela diga qualquer coisa,
algo não quer escutar qualquer coisa que ela tem a dizer...
Deitada, ainda, algo era fareja, algo em sua casa esta queimando,
então em um susto ela cai da cama e quando vê – a casa esta pegando fogo.
Os habitantes a trancaram ali dentro e fugiram com a chave.
Ela percebe que dormiu por tempo demais. Talvez até tenha sentido o cheiro antes, mas não ela quis sair da cama confortável.
Agora a casa pega fogo em labadeiras descontroladas e ela esta trancada,
Abandonaram ela ali.
Nada lhe resta... em círculos em volta de si mesma, ela começa a dançar
a dança maldita
e ela diz ao fogo: me uno a você.
E o fogo se torna escuro.
A loba dança entregue – nada mais lhe resta, mas dentro dela ela tem o poder de todas suas caçadas, ela tem toda sua memória, sua linhagem, seu espírito, seu nascimento e a chama azul no centro do seu coração.
Ela se entrega assim, como é, ao fogo da própria prisão e nele ela se une.
Mas por sua surpresa as chamas começam a dançar com ela e só queimam o que não lhe pertence, lhe despertando do longo sono entorpecedor da forma mais brutal,
O fogo arde queimando tudo que ela guardou com mais apreço como parte de si.
O fogo é impiedoso e mas também mágico, queimando-a e deixando-a nua em seus próprios ossos e nos dentes e no sangue que borbulha e parte que se evapora
Seu sexo condesado no tempo explode a visão do espaço. E no espaço ela dissolve e o espirito da terra selvagem restaura tudo o que ela perdeu de si mesma.
E o que não era ela – queimou.
E só quem era ela – é só o que restou.
- Tiffani Gyatso
Na vida-morte-vida dos ciclos inevitáveis - Abril 2020